As relações entre Brasil e Israel vivem um dos momentos mais delicados dos últimos anos. Nesta semana, dois episódios em sequência acentuaram a tensão: o ministro da Defesa de Israel chamou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “antissemita” e o associou ao líder supremo do Irã, Ali Khamenei; logo depois, o governo israelense anunciou a retirada da indicação de seu futuro embaixador no Brasil.
Esses acontecimentos, ainda em meio à instabilidade no Oriente Médio e às críticas brasileiras à condução da guerra em Gaza, colocam em xeque a solidez diplomática entre os dois países, que já vinha sofrendo abalos desde o início de 2024.
Declaração explosiva do ministro da Defesa
De acordo com reportagem publicada pelo G1, o ministro da Defesa de Israel utilizou palavras duras contra o presidente brasileiro. Ao comentar sobre posições recentes de Lula em relação à guerra de Gaza, o político israelense classificou o chefe de Estado brasileiro como “antissemita” e afirmou que suas falas ecoam a retórica do líder supremo do Irã, Ali Khamenei.
A associação é significativa e carrega forte peso simbólico. Khamenei é uma das vozes mais críticas ao Estado de Israel e, ao longo dos anos, tem defendido posições radicais sobre o conflito com os palestinos. Ao vincular Lula a esse discurso, o governo israelense envia um recado diplomático contundente e de difícil reparação.
Não foi a primeira vez que autoridades israelenses reagiram às declarações de Lula. O presidente brasileiro já havia criticado publicamente a ofensiva militar em Gaza, chegando a compará-la, em fevereiro deste ano, às ações nazistas contra os judeus durante a Segunda Guerra Mundial — afirmação que gerou ampla repercussão e repúdio em Israel.
Repercussão no Brasil
No Brasil, a fala do ministro israelense foi recebida com cautela. Até o momento, o Itamaraty não divulgou nota oficial em resposta à acusação direta contra Lula. Entretanto, diplomatas brasileiros, em caráter reservado, afirmaram que esse tipo de declaração tende a agravar ainda mais as tensões já existentes.
Aliados políticos de Lula classificaram a declaração como um “exagero diplomático” e defenderam que o Brasil mantenha sua posição de defesa dos direitos humanos, mesmo em situações de conflito. Já críticos do governo destacaram que a postura do presidente tem afastado o país de Israel e de aliados históricos do Ocidente, ao mesmo tempo em que fortalece laços com nações como Irã, Rússia e China.
Retirada da indicação do embaixador
Se a acusação de antissemitismo já representava um choque diplomático, o segundo movimento de Israel aprofundou a crise. Segundo informações da CNN Brasil, o governo de Benjamin Netanyahu decidiu retirar a indicação de Gali Dagan para assumir a embaixada em Brasília.
A justificativa para a retirada foi a ausência de sinalização por parte do Itamaraty quanto à aceitação do nome indicado. Na prática diplomática, quando um governo não responde a uma indicação, a mensagem implícita é de resistência ou desconforto. Diante disso, Israel optou por não insistir e suspendeu o envio do diplomata.
A decisão significa que, ao menos por enquanto, o Brasil ficará sem embaixador israelense oficialmente designado, um fato que simboliza a fragilidade atual da relação bilateral.
Histórico recente de atritos
A relação Brasil-Israel já havia sofrido momentos de tensão em outros períodos. Em 2014, durante a guerra entre Israel e o Hamas, a então presidente Dilma Rousseff chamou de “desproporcional” a reação israelense em Gaza. A declaração levou Israel a chamar o Brasil de “anão diplomático”, provocando um mal-estar que demorou a ser contornado.
No governo Jair Bolsonaro, o cenário foi o oposto. O ex-presidente se aproximou de Israel, chegou a visitar o país e anunciou a abertura de um escritório comercial em Jerusalém, alinhando-se à política externa de Donald Trump. Essa postura, porém, foi abandonada com a volta de Lula ao poder, que retomou uma linha de maior equilíbrio e de apoio ao multilateralismo.
Em 2024 e 2025, a guerra em Gaza voltou a colocar os dois países em lados opostos. Enquanto Israel justifica sua ofensiva militar como resposta aos ataques do Hamas, Lula e outros líderes latino-americanos têm condenado o que classificam como excesso de violência e violação de direitos humanos contra civis palestinos.
O peso da palavra “antissemita”
A acusação de antissemitismo tem um peso particular na diplomacia internacional. Ser chamado de antissemita não significa apenas discordar das políticas do governo de Israel, mas sim ser colocado como alguém hostil à existência e à identidade do povo judeu. Para Lula, que já enfrentou críticas duras em Israel por suas comparações históricas, a nova acusação pode desgastar sua imagem em fóruns internacionais e dificultar a mediação brasileira em conflitos globais.
Especialistas em relações internacionais apontam que há uma diferença fundamental entre criticar a condução de um governo e rejeitar a legitimidade de um povo ou religião. Nesse ponto, o desafio diplomático brasileiro será reforçar que suas críticas se dirigem às ações militares, e não à identidade judaica.
Impactos diplomáticos imediatos
Com a retirada da indicação do embaixador, o cenário prático é de vazio diplomático. Embora as relações não estejam rompidas, a ausência de um embaixador oficial reduz a capacidade de diálogo direto e compromete negociações em áreas como comércio, ciência e tecnologia, agricultura e defesa.
O Brasil mantém relações comerciais importantes com Israel, especialmente na área de tecnologia agrícola e segurança cibernética. Além disso, Israel é visto como parceiro estratégico em inovações científicas. A falta de um embaixador pode atrasar projetos em andamento e esfriar a cooperação bilateral.
Reações internacionais
O episódio também repercutiu fora do eixo Brasil-Israel. Nações árabes observaram com atenção o distanciamento entre os dois países. Em paralelo, diplomatas europeus avaliaram que a escalada retórica pode prejudicar a posição do Brasil em discussões na ONU, especialmente no Conselho de Segurança, do qual o país é membro rotativo em 2025.
Há ainda o risco de que a crise afete o papel do Brasil como mediador em conflitos. Tradicionalmente, a diplomacia brasileira se destaca por atuar como ponte em negociações internacionais. Com o atual desgaste, esse espaço de mediação pode ser reduzido.
O que esperar daqui para frente
Analistas consideram que o próximo passo dependerá da reação oficial do governo brasileiro. Caso o Itamaraty opte por uma resposta dura, a crise pode se intensificar, chegando a afetar exportações e acordos bilaterais. Se, por outro lado, prevalecer uma postura de silêncio estratégico, há chances de que o episódio seja gradualmente amenizado, embora as feridas na relação permaneçam.
De todo modo, a ausência de um embaixador israelense em Brasília já é um sinal inequívoco de desgaste, e dificilmente a relação voltará ao patamar de normalidade em curto prazo.
Conclusão
O duplo episódio desta semana — a acusação de antissemitismo contra o presidente Lula e a retirada da indicação do embaixador israelense — marca um ponto crítico na história recente das relações Brasil-Israel. Mais do que um simples mal-entendido diplomático, trata-se de um embate que envolve memória histórica, geopolítica e o futuro da cooperação entre dois países que, apesar das diferenças, sempre mantiveram canais de diálogo.
O desafio agora é saber se as partes conseguirão transformar a crise em oportunidade de reaproximação ou se o conflito verbal e diplomático abrirá um período prolongado de distanciamento.
fonte G1

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