1. Contexto histórico recente
Desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021, o Haiti mergulhou em uma crise política e institucional sem precedentes. O governo de transição liderado por Ariel Henry enfrentou dificuldades para convocar eleições e restaurar a estabilidade. Esse vácuo de poder foi rapidamente ocupado por gangues armadas, que expandiram seu domínio e passaram a exercer um controle territorial que hoje se estende por grande parte da capital, Porto-Príncipe, e outras regiões estratégicas.
Os grupos criminosos intensificaram ataques contra infraestruturas essenciais, incluindo escolas, hospitais, repartições públicas, portos e até o aeroporto internacional. A presença do Estado é mínima, e estima-se que apenas uma pequena parte da capital esteja sob controle efetivo das forças governamentais.
2. Escalada da violência e impacto humano
A violência armada no Haiti alcançou níveis alarmantes em 2025:
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Entre abril e junho, mais de 1 500 pessoas foram mortas e mais de 600 ficaram feridas em confrontos entre gangues, forças de segurança e grupos de autodefesa.
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No acumulado do ano, cerca de 3 100 mortes foram registradas, e mais de 1,3 milhão de pessoas estão deslocadas internamente.
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Os deslocamentos forçados triplicaram desde 2024, criando um cenário de superlotação em abrigos improvisados, muitos deles localizados em prédios abandonados ou escolas. As condições sanitárias são precárias e a falta de alimentos e assistência médica agrava a vulnerabilidade da população.
As gangues controlam rotas de abastecimento, realizam sequestros, extorsões e massacres, e a população vive sob constante medo. Regiões inteiras de Porto-Príncipe se transformaram em zonas inacessíveis para autoridades e organizações de ajuda.
3. Desintegração dos serviços públicos
O sistema de saúde haitiano está em colapso:
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Cerca de 60 % dos hospitais estão com funcionamento parcial ou totalmente fechados, seja pela falta de insumos e profissionais, seja por causa da insegurança.
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Programas de atendimento a mulheres grávidas, crianças e doentes crônicos foram interrompidos ou reduzidos drasticamente.
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Clínicas móveis e organizações como Médicos Sem Fronteiras tentam atender os mais necessitados, mas alcançam apenas uma pequena fração da população.
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Doenças como cólera, infecções de pele, diarreia infantil e transtornos de saúde mental estão se espalhando rapidamente devido à falta de saneamento básico e de acesso a cuidados médicos.
4. Fome e insegurança alimentar
A insegurança alimentar no Haiti alcançou proporções catastróficas:
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Quase metade da população — cerca de 5,4 milhões de pessoas — enfrenta fome aguda, estando nas fases mais graves de insegurança alimentar.
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Mais de 129 000 crianças devem necessitar de tratamento nutricional nos próximos meses.
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A inflação dos alimentos supera 30%, enquanto mercados e cadeias de abastecimento estão paralisados ou sob controle de gangues armadas.
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O bloqueio de estradas e portos impede a chegada de ajuda e encarece ainda mais os produtos básicos.
A fome, combinada com a falta de água potável e saneamento, cria um terreno fértil para surtos de doenças e aumento da mortalidade infantil.
5. Resposta internacional insuficiente
A crise humanitária haitiana é uma das menos financiadas do mundo:
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O Plano de Resposta Humanitária da ONU, estimado em cerca de 900 milhões de dólares, recebeu apenas 9% do valor necessário até agosto de 2025 — o menor índice de financiamento entre todos os planos de emergência ativos globalmente.
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A baixa adesão dos doadores internacionais impede que ações de grande escala sejam implementadas, deixando milhões de haitianos sem atendimento básico.
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Forças multinacionais, lideradas pelo Quênia e compostas por cerca de mil policiais, começaram a chegar ao país, mas estão longe de ser suficientes para enfrentar a magnitude do problema.
Enquanto isso, a violência continua a se espalhar e a população se vê cada vez mais abandonada.
6. A ofensiva dos Estados Unidos contra “Barbecue”
No cenário de crescente insegurança, os Estados Unidos intensificaram sua ofensiva contra um dos principais líderes de gangues do país:
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Jimmy “Barbecue” Chérizier, ex-policial e chefe da coalizão de gangues conhecida como “Viv Ansanm”, foi indiciado por um júri federal norte-americano por violar sanções e financiar atividades criminosas.
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Washington ofereceu uma recompensa de 5 milhões de dólares por informações que levem à sua captura.
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Chérizier é acusado de liderar massacres, sequestros e de impor controle total sobre bairros inteiros da capital.
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Apesar das ações legais e da pressão internacional, ele continua foragido, protegido por sua rede de aliados e pelo ambiente de caos que reina no Haiti.
Síntese da crise
O Haiti enfrenta uma crise multidimensional que combina:
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Violência armada extrema, com gangues controlando a maior parte do território urbano e impondo um regime de terror à população.
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Colapso institucional, marcado pela ausência de serviços públicos e pela incapacidade do governo de exercer autoridade.
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Fome e deslocamento em massa, levando milhões de pessoas a viver em condições desumanas.
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Resposta humanitária subfinanciada, sem recursos suficientes para atender às necessidades urgentes.
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Intervenção internacional limitada, insuficiente para restaurar a segurança ou criar condições para uma recuperação sustentável.
Sem uma ação coordenada e um aumento significativo no apoio humanitário e de segurança, a tendência é que o país mergulhe ainda mais no caos, com impactos que podem se estender para além de suas fronteiras.
Puerto Príncipe se sume cada vez más en la #violencia, mientras crecen las denuncias por falta de ayuda humanitaria e inacción del Estado.
Por Libia López
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